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Das tesouras às panelas: a jornada de tia Neuzi

Por Thaila Vieira, Mikael Lopes e Heloísa Pinheiro

Neuzilene Monteiro
Neuzilene Monteiro

Ao lado do campus Professor Barros Araújo da Uespi, em Picos, Neuzilene Monteiro construiu um restaurante, que se tornou parada quase obrigatória na rotina de alunos e professores do campus . Aos 47 anos, ela se tornou mais que uma  vendedora de lanches e refeições: é a figura que alimenta tanto os corpos quanto as almas de quem passa por ali e divide a mesa, sonhos, risos e angústias com quem senta ao lado. 


Carinhosamente chamada de "tia Neuzi" por todos, sua trajetória se entrelaça com a da própria universidade, que, no início, contava com poucas opções para alimentação . A Uespi de Picos encontra-se afastada da movimentação da cidade e o empreendimento de Neuzilene é o mais próximo da universidade.


Com sua comida caseira e acolhedora, Neuzilene foi capaz de conquistar um lugar de destaque na vida acadêmica de Picos. Cuidadosa, ela busca atender pedidos diferenciados. Sempre aparece algum frequentador vegano, que não consome produtos de origem animal ou aquele que pede um suco com menos açúcar ou até mesmo sem. Para ela, cada prato servido e sorriso trocado, representa um pedaço de sua história e do carinho que nutre por todos que ali frequentam. 


Neuzilene relembra os primeiros passos de seu negócio, que teve início logo após a inauguração do campus da Uespi na Altamira. Nos primeiros tempos, ela e sua família vendiam alimentos em sua propriedade privada, um pouco mais afastada do local onde hoje está estabelecida. O destino, porém, tinha outros planos. Com o apoio do marido, ela adquiriu um terreno ao lado da instituição e, ali, ergueram o restaurante. O que poucos sabem é que, antes de se dedicar à cozinha e aos cuidados com os estudantes, Neuzilene era cabeleireira.


Durante muitos anos, ela cuidava das pessoas por meio do cabelo, até que, por acaso, surgiu uma oportunidade no ramo alimentício. Antes de abraçar definitivamente a culinária, ela também trabalhou como garçonete, mas foi quando a chance de atuar como cozinheira apareceu que sua vida tomou outro rumo.

“Troquei o cabelo pela comida", diz ela, com a simplicidade de quem sabe que aquela foi a decisão certa, um caminho traçado por sua própria vontade e visão. Não era algo planejado, mas acabou sendo a melhor decisão. "Era melhor do que mexer com cabelo", afirma com um sorriso no rosto.


Comércio familiar

O comércio de Neuzilene sempre foi algo familiar. Junto com o marido e os filhos, ela toca o negócio com dedicação e carinho. "Aqui é só nós quatro. Somos uma família que trabalha junta", explica. E é essa união que torna o ambiente ainda mais acolhedor para os estudantes, professores e funcionários que frequentam o local. 


Mas não é só o vínculo familiar que torna o ambiente tão especial. Neuzilene também desenvolveu uma relação única com a comunidade acadêmica. 

"Eu vejo os alunos como filhos. Para mim, a Uespi é minha segunda família", afirma, emocionada.

O impacto da Uespi na vida de Neuzilene

A presença da universidade trouxe impactos significativos para Neuzilene, tanto na vida pessoal quanto no comércio. "Foi um período muito bom, com muita gente. Sempre que alguém indicava, vinha mais gente. A universidade ajudou bastante", diz ela, relembrando os tempos de maior movimento.


Porém, como muitos outros negócios, Neuzilene enfrentou desafios, especialmente após a pandemia. "Antes da pandemia, o movimento era constante. Depois disso, muitos alunos começaram a trazer suas próprias marmitas e sucos. A demanda caiu bastante", nota Neuzilene.


A observação de Neuzilene é uma realidade brasileira. De acordo com o questionário realizado pelo Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON-SP), 88,86% dos entrevistados apontaram que precisaram reduzir ou cortar consumos habituais devido à pandemia de COVID-19. Entre os principais cortes, a alimentação foi o mais apontado, com 66,18%.


A diminuição no número de alunos presenciais também contribuiu para a queda nas vendas. "Está mais fraco agora. Antes, era bem mais movimentado", lamenta.

Para Neuzilene, os desafios diários não são apenas financeiros, mas também emocionais. "Se os alunos não vêm, o comércio não tem movimento. Mas, se eles vêm, é uma troca boa para todos. Eles não são só meus clientes, para mim, são como filhos", explica.


Essa relação entre os alunos e ela, que considera os estudantes como parte de sua família, é o que mantém o negócio de pé. "Eu vendo bem, e se não fossem os alunos, não teria venda. Aqui, a Uespi é meu ponto de referência", afirma.


Memórias e conexões

Ao longo dos anos, muitas histórias ficaram gravadas na memória de Neuzilene. A mais marcante foi a amizade com uma das primeiras clientes, Naiane, que sempre a tratou como mãe. "Ela foi uma das primeiras alunas {da UESPI a frequentar o estabelecimento da Neuzilene}. Eu a via como filha, e ela me via como mãe", recorda, emocionada. "Até hoje, lembro com carinho dos momentos que compartilhamos", reforça. 


Apesar de ter perdido o contato com Naiane, devido a problemas com seu telefone, a lembrança daquela relação afetiva permanece viva. "Ela é uma pessoa que ficou bem marcada na minha vida", diz.


A Mãe da Uespi

Para os alunos, Neuzilene é muito mais do que uma simples vendedora. Ela é uma figura materna, um alicerce na rotina universitária. "Sem comida, ninguém passa o dia. A maioria dos cursos aqui é integral, e para nós, ela é uma pessoa fundamental", revela um estudante, resumindo o carinho que todos têm por ela.

"Eu sou fundamental para os alunos, e eles são fundamentais para mim. Se eles vêm, eu vendo; se não, não tenho venda", diz Neuzilene, refletindo sobre a reciprocidade dessa relação.


Hoje, ela vê seu comércio como uma extensão de sua vida, uma forma de manter a atividade e a convivência familiar. "Aqui é da gente. Eu não gosto de ficar parada, por isso estou sempre aqui", diz. Neuzilene é a mãe da Uespi, maneira carinhosa que os estudantes usam para destacar alguém que contribui em suas trajetórias. A história dela é, na verdade, uma história de todos os alunos e professores que passaram pela universidade e que, de alguma forma, foram alimentados não só por sua comida, mas também por sua generosidade e carinho. 


 
 
 

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