Do sagrado ao destino: credos, crenças e superstições que atravessam gerações
- ruthycosta

- há 19 horas
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Por Kalliany Morais

Era madrugada chuvosa e o barulho dos trovões fazia a casa tremer. Dona Tereza caminhou devagar pela cozinha até o saleiro, pegou um punhado de sal grosso e seguiu para a sala. Sem acender a luz, abriu a porta da frente, espiou a rua deserta e, com cuidado, espalhou cristais de sal. Enquanto fazia o gesto, murmurou baixinho: “Para afastar o mal e trazer proteção”. Depois fechou a porta com firmeza, respirou fundo e bateu levemente na madeira, três toques, quase um código, como quem sela um pacto silencioso com a tradição.
As simpatias e crenças populares no Brasil têm raízes profundas na vida colonial: práticas de feitiçaria, magias e costumes misturavam elementos indígenas, africanos e católicos desde os séculos XVII-XVIII. Essas manifestações não eram vistas como “superstições” isoladas, mas como parte do cotidiano comum, visando proteção, cura ou resolução de problemas pessoais. Com o tempo, foram sendo adaptadas, disfarçadas ou incorporadas em rituais religiosos formais, mantendo traços visíveis de sincretismo cultural.
As crendices e superstições, na verdade, são vestígios de um passado (nem tão) remoto, em que o ser humano tinha uma visão mágica do mundo, acreditando que diversos fatores sobrenaturais podiam interferir diretamente no seu dia-a-dia. Esse modo de pensar foi-se transmitindo de geração a geração, em especial entre as camadas populares, que foram mantidas à margem da evolução do conhecimento científico. Acaba por ser incorporado no dia-a-dia de todos, traduzindo-se em hábitos e gestos.
Segundo pesquisa Datafolha (2019), 37% dos brasileiros declararam já ter feito alguma simpatia, especialmente em datas festivas como Ano Novo ou Santo Antônio. Outra pesquisa do Instituto Paraná Pesquisas (2022) apontou que 40% dos jovens entre 16 e 24 anos dizem acreditar em algum tipo de ritual popular, incluindo simpatias.
Levantamento do Pew Research Center (2020) mostrou que 53% dos latino-americanos dizem acreditar em “sinais ou presságios” que influenciam suas decisões do dia a dia. Pesquisa do Datafolha (2019) também indicou que 55% dos brasileiros acreditam em pelo menos uma superstição, mesmo sem se considerar “supersticiosos”.

Na calçada de casa, Maria Inez de 54 anos diz que não acredita em simpatias ou superstições “são coincidências” explica ela. Logo sua filha Ingrid Maria de 18 anos, segue sua lógica. Nunca viram alguém fazer, mas a jovem sempre ouve falar em redes sociais (TikTok). Ambas acreditam que são apenas tradições culturais “Não faz parte da nossa cultura ”, ressaltam, por isso, nunca deixaram de fazer algo por medo de superstição.
O Pastor Antônio Oliveira explica sua visão sobre as práticas populares, “Não acreditamos nem em simpatias e nem superstições. Pois, acreditamos em propósitos de Deus.”
Já para a espírita Maria Luiza de 21 anos, acredita que são tradições passadas por gerações.
Para o pastor, “Eu acredito que nem ajuda e atrapalha, pois não muda em nada a realidade” diz ele ao ser perguntado se essas práticas ajudam ou atrapalham a vivência da fé. Enquanto a jovem espírita contrapõe que, “para pessoas que entendem os fundamentos e vivem além da religiosidade, acredito que ajudam”
Frente a pergunta, já encontrou fiéis que conciliam a religião com simpatias populares?
O Pastor diz: “Não, pois na nossa igreja pregamos para que não concilie a nossa fé com superstições e/ou simpatias populares.”
Já a espírita apenas relata nunca ter encontrado.
Galeria visual:

Num Brasil em que fé, tradição e cultura digital se cruzam diariamente, simpatias e superstições deixaram de ser apenas herança dos avós para se tornarem também conteúdo de feed. Hoje, rezas, fitinhas, banhos e rituais dividem espaço com hashtags, tutoriais no TikTok e transmissões ao vivo de celebrações religiosas. Essa convivência revela um país em constante reinvenção: a fé continua sendo um eixo emocional; a tradição, um fio que liga passado e presente; e a cultura digital, uma vitrine que amplia e transforma essas práticas.
E você, acredita em simpatias?




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