Entre fé e tradição
- ruthycosta

- há 18 horas
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Como os brasileiros vivem seus cultos e ritos nos dias de hoje.
Por Maria Eduarda Da Silva Fernandes

Enquanto o catolicismo segue como a religião majoritária no Brasil, novos cultos e ritos ganham espaço, refletindo a diversidade e a constante transformação da fé no país. É possível observar como a religiosidade se manifesta de formas variadas, moldando hábitos, crenças e relações sociais. Em grandes centros urbanos, templos evangélicos que surgem a cada esquina, atraindo fiéis de diferentes idades e classes sociais, enquanto terreiros de Candomblé e Umbanda preservam práticas ancestrais e fortalecem comunidades inteiras. Mesmo em pequenas cidades, festas tradicionais, missas e celebrações populares continuam a mobilizar multidões, revelando que a fé vai muito além da devoção individual e se conecta com identidade cultural, memória coletiva e sentido de pertencimento. Essa pluralidade evidencia que a espiritualidade brasileira não é homogênea; ela é feita de encontros, adaptações e reinvenções constantes, mostrando que, apesar das mudanças sociais e tecnológicas, a religião continua sendo um pilar fundamental na vida de milhões de brasileiros.
Dados que mostram a diversidade

Segundo o G1 o Censo de 2022, 56,7% da população brasileira ainda se declara católica, enquanto os evangélicos somam cerca de 31%. Outras religiões, como o espiritismo, a umbanda, o candom um blé e diversas práticas de fé alternativas, vêm crescendo, principalmente em grandes centros urbanos. Outro dado relevante é o crescimento de pessoas que afirmam não ter religião, que já representam cerca de 8% da população. Esse grupo, embora não necessariamente ateu, reflete uma busca por espiritualidade fora das instituições tradicionais, seja por meio de práticas individuais, seja pela adesão a movimentos mais fluidos e menos hierárquicos. Além disso, religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, ainda que representem percentuais menores, têm conquistado maior visibilidade e reconhecimento social. Esses dados, portanto, mostram que o Brasil caminha para um cenário em que não há apenas uma religião predominante, mas sim um mosaico em constante transformação, no qual a fé se reinventa e dialoga com as mudanças sociais, econômicas e culturais do país.
Vivendo a fé no dia a dia
Para Juliana Fernandes, frequentadora de um terreiro de Candomblé em Teresina, a religiosidade vai muito além da devoção: é uma forma de se conectar com suas raízes, com a comunidade e com a própria identidade. “Cada ritual é um momento de aprendizado e de união com minha família e meus amigos”, conta. Nas cidades do interior, as tradições católicas seguem vivas.
O padre Daniel, responsável pela paróquia em Inhuma, afirma que a Igreja ainda é um espaço de encontro e acolhimento. “A missa não é apenas um momento de oração, mas também de partilha, onde a comunidade se fortalece e renova sua fé”, explica.
Para o diácono, a preservação dos ritos é fundamental para a continuidade da fé. “Quando mantemos tradições como procissões e novenas, estamos garantindo que a espiritualidade seja transmitida de pais para filhos, preservando um patrimônio cultural e religioso”, destaca. Entre os fiéis, a vivência religiosa é parte essencial da rotina.
A dona de casa Maria das Dores, 52 anos, não abre mão de participar da missa dominical. “É onde encontro paz e sinto que Deus está comigo. Ali, renovo minhas forças para enfrentar a semana”, relata. Nas igrejas evangélicas, a experiência ganha força pelo envolvimento emocional e comunitário.
O jovem Guilherme Fernandes, 18 anos, frequentador de uma Assembleia de Deus em Teresina, descreve: “No culto, eu sinto a presença de Deus de uma forma viva. O louvor, a oração e a palavra tocam direto no coração, e é isso que me fortalece todos os dias”.
Desafios e preconceitos
Apesar da diversidade, muitos fiéis ainda enfrentam estigmatização. Os cultos afro-brasileiros, por exemplo, frequentemente são alvo de discriminação. A ialorixá Mãe Clarice, líder de um terreiro em Recife, desabafa: “Muitas pessoas ainda confundem nossas tradições com práticas negativas. Nosso trabalho é de fé, de acolhimento e de cuidado com o próximo”.
Essa intolerância também preocupa estudiosos. Para o sociólogo Paulo Nascimento, pesquisador de religiões na Universidade de Brasília, o preconceito está ligado à falta de conhecimento e diálogo: “A desinformação alimenta o medo e gera conflitos. Quando se abre espaço para o diálogo, cresce o respeito pela diversidade religiosa”.
Impacto social e cultura
Igrejas, terreiros e centros espíritas não são apenas espaços de oração, mas também de solidariedade, promovendo campanhas de arrecadação de alimentos, apoio a famílias em situação de vulnerabilidade e projetos educativos voltados para a comunidade. Além da dimensão social, a fé se manifesta como elemento cultural que atravessa gerações. Festas como o Festejo de São José, em Inhuma-pi, a Festa do Divino, ou celebrações de São João, em todo Nordeste, são exemplos de como rituais religiosos se transformaram em tradições populares que mobilizam milhares de pessoas. Da mesma forma, os terreiros de religiões afro-brasileiras preservam músicas, danças e símbolos que se tornaram parte essencial da identidade cultural do país. Essa mistura entre religião, cultura e vida comunitária mostra que a fé no Brasil não é vivida apenas de maneira individual. Ela se expressa em coletividade, fortalecendo laços sociais, preservando memórias e reafirmando a diversidade cultural que caracteriza a nação.
O futuro da fé no Brasil
O futuro da fé no Brasil aponta para um cenário de crescente diversidade e transformação. As estatísticas já mostram que o número de católicos, embora ainda majoritário, segue em queda, enquanto comunidades evangélicas se expandem rapidamente em todas as regiões do país. Ao mesmo tempo, religiões de matriz africana, espiritualidades alternativas e até práticas não institucionalizadas, como a meditação e a busca por autoconhecimento, ganham cada vez mais espaço. Esse movimento revela uma mudança no modo como os brasileiros se relacionam com a religiosidade: menos preso a tradições rígidas e mais aberto a experiências individuais e coletivas de espiritualidade.
O avanço das redes sociais e da comunicação digital também influencia esse processo, permitindo que diferentes grupos religiosos alcancem novos públicos e adaptem suas linguagens às gerações mais jovens. Apesar dos desafios relacionados à intolerância e ao preconceito, especialistas indicam que a pluralidade tende a se fortalecer. O futuro da fé no Brasil, portanto, não deve ser marcado por uma única religião dominante, mas por um mosaico de crenças, práticas e expressões espirituais que continuam moldando a identidade cultural e social do país.
Em síntese, a fé no Brasil é múltipla, diversa e está em constante transformação. Ela se reinventa a cada geração, preservando tradições, mas também abrindo espaço para novas formas de espiritualidade. Seja nos terreiros, nas igrejas, nos templos ou nas ruas durante grandes celebrações, a religiosidade segue como um elo entre pessoas, culturas e comunidades. Em meio aos desafios do preconceito e da intolerância, as iniciativas de inclusão e diálogo mostram que é possível conviver com as diferenças e reconhecer a riqueza de cada prática. O futuro da fé no país, portanto, não está em uma religião única ou dominante, mas na pluralidade que reflete a própria identidade do povo brasileiro: marcada pela diversidade, pelo encontro e pela esperança.









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