MÃE MARIA: A MENINA QUE SE TORNOU “MÃE DE CABEÇA” AOS 11 ANOS
- Elinalva Sousa
- 4 de dez. de 2023
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Por: Elinalva Sousa
e Thamyres Sousa
Com uma infância cercada pelo chamado espiritual, aos 7 anos de idade, a ainda menina Maria dos Remédios começou a vislumbrar que sua vida estava além do mundo material. Ao contar como foi o início de sua missão espiritual, os seus olhos brilhavam, como se tivesse voltado no tempo para revisitar alguns capítulos da sua infância, no Quilombo de Canabrava dos Amaros, no município de Paquetá- Piauí, seu lar até hoje.

Hoje, aos 67 anos de idade, a benzedeira fala quais foram seus primeiros sintomas quando foi para iniciar na umbanda. Maria conta que, muitas vezes, foi ao médico para saber o que estava acontecendo, e o médico dizia que era um caso além do consultório.
“Quando foi pra mim iniciar, eu sentia muito problema, eu passava mal, só melhorava quando uma pessoa rezava em mim. O próprio médico dizia: - Aí não é coisa de médico, não. Aí é coisa de reza. Quando ia a outros terreiros, eu continuava a sentir a presença dos guias, mas não sabia como reagir. Eu sentia, eu via, mas eu não sabia como fazer”, relembra Maria dos Remédios.
Faltavam alguns anos para que a menina chegasse a sua maioridade, quando ela recebeu pela primeira vez, por meio da incorporação, uma entidade que trabalha na linha da cura, (na religião umbanda significa rezar ou benzer), a entidade Miguel Lourenço, da família de Légua Boji Buá. Esta foi a primeira entidade a se manifestar espiritualmente na comunidade. Depois desse acontecimento várias outras entidades foram se manifestando espiritualmente.
Aos 11 anos, Maria dos Remédios, aceitou o chamado espiritual e começou a desenvolver sua mediunidade. Sabendo da importância e da necessidade de trabalhar sua espiritualidade e de outras pessoas, ela assumiu a responsabilidade e se tornou Mãe de Santo, fundou a “Tenda Padre Cícero e Nossa Senhora da Conceição", no Quilombo de Canabrava dos Amaros, com a ajuda de “João Cajá” e “Maria Calça Verde”, pai e mãe de santo, que trabalhavam na religião Umbanda.
Com cuidado e o auxílio dos matriarcas da comunidade, que carregava a sabedoria e ensinamentos dos seus ancestrais, Mãe Maria lembra do lugar onde aconteceram as primeiras sessões espirituais.
“Quando a gente começou, foi numa casa, de uma tia da gente, só que depois foi feito um salão de taipa, a gente trabalhou muito tempo lá”, lembra Maria.

A Mãe de Santo ainda relata que as sessões aconteciam de portas fechadas, sem o som dos tambores, apenas as palmas e pontos cantados baixos para não chamar a atenção. Neste período, havia um preconceito muito maior do que na atualidade com as religiões afro-brasileira, por isso as sessões espirituais teriam que acontecer de forma oculta, os tambores não poderiam ser tocados.
“Só que era calado, de primeiro não podia fazer nada para ninguém saber assim. Era calado e era oculto. Naquele tempo, o pessoal não gostava, chamava era “macumba”, tinha aquele preconceito de dizer que era, um bucado de macumbeiro fazendo macumba, feitiço”, relata a líder espiritual.
Este ano, o Ministério dos Direitos Humanos afirma que, em relação aos dois últimos anos, houve um aumento de 45% de casos de intolerância religiosa. O Ministério reforça que “Reiterar o respeito a todas as expressões de fé e fazer valer a laicidade do Estado brasileiro são compromissos do Poder Executivo”.
Maria dos Remédios lutou como sua mãe Iansã contra a dureza e preconceitos da época e não deixou que a intolerância religiosa interferisse no seu desenvolvimento e missão espiritual. Continuou a caminhada e enfrentou os desafios. Como diz o ponto da umbanda, “filho de umbanda balança, mas não cai”
Com cabelos brancos, cobertos com um turbante estampado, com verde escuro, rosas vermelhas e brancas, em seu pescoço uma guia de proteção ancestral, ela conta que aprendeu muitas das rezas com as pessoas mais velhas de sua comunidade. Quem tinha mais tempo na espiritualidade tinha a preocupação de ensina-lá sobre os conhecimentos e benzimentos. A hoje chefe do terreiro dá um suspiro fundo e diz:
“Os mais velhos me ensinaram muitos remédios, as entidades também, para muitos problemas. O vinho da jurema mesmo é bom para quem tem problema de dor de estômago, fraqueza… eles ensinavam um monte de ervas medicinais. Faço cada garrafada para as pessoas, até para pessoas de longe, às vezes, eu faço”, diz Maria.

Pessoas vêm à procura de Maria dos Remédios para pedir auxílio, benzimento, medicamentos, conselhos e consultas com entidades, abraços e proteção. Com o passar dos anos, ela conseguiu com a ajuda da comunidade construir outro terreiro, que acomodasse a todos. As portas já podem ficar abertas em todas as sessões, os tambores podem ser rufados.
Sentada na varanda de casa, a Mãe de Santo, fala e agradece os ensinamentos que aprendeu com seus mais velhos, da culinária aos benzimentos, pois eles foram essenciais para que ela pudesse ter uma caminhada mais leve e pudesse também continuar e praticar os conhecimentos e memórias dos seus antepassados.





Parabéns, que lindeza!!!! 💖