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“O jornalismo hoje vive um cenário de crise”, afirma a coordenadora de jornalismo da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) de Picos:Mayara Sousa Ferreira fala de sua trajetória e os desafios enfrenta

Atualizado: há 4 dias

Por José Jusciano e Antônio Oliveira


Mayara Ferreira, jornalista e Cooordenadora do curso de Jornalismo da UESPI de Picos
Mayara Ferreira, jornalista e Cooordenadora do curso de Jornalismo da UESPI de Picos

Os jornalistas passam por quais dificuldades? Que habilidades devem desenvolver? Essas foram perguntas feitas para Mayara Sousa Ferreira, coordenadora e professora do curso de jornalismo da UESPI de Picos. Nessa entrevista, ela fala sobre os desafios que ela passou em sua trajetória e os obstáculos que, segundo ela, os jornalistas e estudantes do curso ainda enfrentam na atualidade.


José: Mayara, o que te incentivou a cursar jornalismo e tentar seguir nessa profissão?

Mayara: Eu vim ao curso de jornalismo por ser uma das opções que tinha mais próximo e possível dentro da minha realidade. Eu precisava cursar numa universidade pública e, entre as opções que eu dispunha na cidade de Picos, foi a minha escolha por tratar a comunicação e pela possibilidade de me desenvolver como pessoa, superando a timidez e outras características que eu tinha até então.


Antônio: Na sua visão, quais são as principais dificuldades que os alunos de jornalismo enfrentam nas universidades hoje?

Mayara: Nós temos um cenário de dificuldade na própria profissão. O jornalismo, hoje, vive um cenário de crise, crise na reputação, na maneira como as pessoas acreditam no serviço prestado pelo jornalismo. Essa crise vivida na atividade, na profissão, ela repercute na formação, e tratando assim, especificamente da realidade que eu vivencio, que é da UESPI, nós ainda temos um agravante, além desse cenário de crise, nós temos as dificuldades financeiras que são evidenciadas no nosso curso. São uma realidade. Os estudantes da UESPI são estudantes provenientes de famílias que não tem uma situação financeira, muitas vezes, estável, com condição de se manter na universidade. E aí essa é uma das dificuldades que a gente lida. Lidar com as dificuldades financeiras, muitas vezes a necessidade de trabalhar, quando o curso é integral, então pede um estudante integral também, um estudante exclusivo.


José: Durante a sua formação, quais foram os maiores desafios que enfrentou como estudante de jornalismo? Esses desafios permanecem ou diminuíram, tipo, na atualidade, na universidade hoje?

Mayara: O principal desafio na minha formação foi a estrutura física da universidade, porque foi um período que a Universidade Estadual [do Piauí] passou por uma, uma crise mesmo, a universidade iniciou uma reforma e essa reforma foi comprometida e nós passamos um bom tempo sem ter um local físico para estudar, o básico. Eu não estou falando nem de laboratórios, eu estou falando do básico: uma sala de aula com professores. Além dessa dificuldade física, estrutural física, também estrutural humana, porque a equipe de professores só era composta de duas professoras efetivas, o quadro era de professores especialistas, só tinha um mestre. Por conta disso, gerava uma outra dificuldade, que era a carência de projetos de extensão e de pesquisa. Os professores que pesquisam, são os professores mestres e doutores, porque eles [professores da época] não tinham essa formação, não havia muita pesquisa. Então, era um curso mais voltado para a prática, tentando superar essa dificuldade estrutural de laboratório e de espaço físico.

Antônio: Você acredita que as instituições de ensino estão preparando bem o futuro jornalista para o mercado atual? Há algo que a universidade não ensina?

Mayara: Essa é uma reflexão que eu tenho feito muito, como professora, membro de um Núcleo Docente Estruturante, que é um núcleo que decide, que define o currículo e é algo que eu tenho pensado muito: será que nós estamos formando profissionais aptos a lidarem com esse contexto de crise? E pela percepção que eu tenho nesses 10 anos de profissão que eu vejo os jornalistas que estão atuando no mercado, pelo menos aqui na nossa região hoje, muitos deles passaram por mim, eu conheço, são profissionais que tiveram uma formação mais completa do ponto de vista da pesquisa para desenvolver uma criatividade, uma condição de raciocinar, de interpretar o momento e assim contribuir socialmente. E também são profissionais que têm uma marca muito forte da nossa instituição, que é a humanidade, são profissionais que são sensíveis às necessidades das pessoas com quem eles estão tratando: fontes, personagens de reportagens, de matérias. Então, percebo que eles estão tentando desenvolver com qualidade o trabalho deles, com ética, mas, ao mesmo tempo, lidando com esse cenário de dificuldade de descrédito da profissão.


​José: Que habilidade os novos jornalistas precisam desenvolver para se destacar?

Mayara: Acho que o jornalista hoje precisa ser um profissional multiplataformas. A gente não pode mais segmentar: eu só gosto do digital, eu só gosto do sonoro, eu só gosto disso ou daquilo. Eu acho que em qualquer mídia, ele precisa ser um profissional múltiplo. Se estiver trabalhando numa mídia tradicional, precisa incorporar o digital, porque um veículo não existe mais sem o outro, mesmo os tradicionais, e quem está no digital precisa se adequar usando as características e estratégias das mídias tradicionais para conseguir um alcance maior de público. Então, primeiro, tem que ser um jornalista múltiplo, múltiplas habilidades, que dê conta dessa comunicação também múltipla. E, além disso, penso que essa formação moral também é muito importante. Nós vivemos um tempo em que a verdade é questionada. Hoje, fala-se em verdades no plural. o que é verdade, então? O que cada um acredita? E o jornalismo trabalha com a verdade. Então, essa formação moral de discernir o que é verdade, de dar voz, de dar espaço para fontes que muitas vezes não são ouvidas, de ter responsabilidade social no tratamento da informação é essencial. Então, essa característica, de ser um profissional com condições de usar as ferramentas e usar as multiplataformas, independente da mídia que esteja, e o outro ponto é a formação moral mesmo. O curso ajuda, mas, ao mesmo tempo, só vai fortalecer uma base familiar que cada um tem, porque quem trabalha com ética e se preocupa com o que é verdade e o que é mentira vai fazer isso até o fim da vida na profissão, vai repercutir, vai se preocupar, será que isso aqui é fake. Será que eu tô dando uma barrigada [fazer uma publicação inverídica ou distorcida]? E se não houver essa preocupação, se a mentira fizer parte mesmo da vida da pessoa, vai ser um jornalista que vai reproduzir a crise que a nossa sociedade está vivenciando mesmo de acreditar que qualquer coisa pode ser verdade.

Antônio: Que mensagem deixaria para quem quer seguir essa carreira, no caso do curso de jornalismo, mas tem medo das dificuldades?

Mayara: O estudante de jornalismo ou a pessoa que tem o interesse de se formar jornalista precisa ser uma pessoa muito aberta, querer aprender, usando as várias possibilidades que o curso oferece. É um estudante que precisa ter comprometimento com as disciplinas, com o currículo do curso, mas ao mesmo tempo, que precisa ter interesse com a pesquisa, porque é a pesquisa que vai desenvolver a característica da reflexão, da capacidade de interpretação e análise que o jornalista bom precisa ter, e ao mesmo tempo, usar das diversas formas, das diversas possibilidades para se formar jornalista. Por exemplo, a organização de eventos, na gestão de alguma coisa, o planejamento. Um jornalista não atua somente na redação, é principalmente na redação, mas há possibilidades de atuação em outros nichos da comunicação. E o bom jornalista, o jornalista bem-sucedido, vai ser aquele jornalista que é comprometido com a formação e aproveita as múltiplas possibilidades. Então, o meu conselho é: jornalista em formação, aproveite todas as oportunidades para se formar, entendendo que não é só o ensino, não é o currículo que vai te fazer um bom jornalista, mas várias chances da vida e da universidade.


 
 
 

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