Reportagem Especial: Rocilio - O Poeta dos Passarinhos
- Carmo Sousa
- 9 de nov. de 2023
- 5 min de leitura

Em um rincão do semiárido piauiense, na cidade de São Julião-PI, onde o caatinga brinca de pintar suas cores, reside um mestre da observação.
Rocilio Ribeiro Rocha, educador, fotógrafo, passarinheiro e artista plástico, de 50 anos, desenha com a luz das lentes fotográficas um mundo de asas e penas que dança sob o céu azul e sol impiedoso.
Há 11 anos, Rocilio trilhou um caminho onde sua paixão por aves e a busca pela essência do semiárido se entrelaçaram ao decidir 'passarinhar', isto é, ter como atividade recreativa o Birdwatching - termo em inglês que significa observar as aves em seu habitat natural sem interferir no seu comportamento ou no ambiente em que se encontram.

Rocilio observa a olho nu, às vezes com o auxílio de binóculos e registra as imagens em fotografias. O mestre da observação nos convida a enxergar o Semiárido Piauiense com olhos de pássaro, onde o voo da imaginação e a liberdade dos animais se unem na mais bela sinfonia da natureza.
O passarinheiro disponibiliza o trabalho no Wiki Aves, na página @dedentrodacaatinga e já teve suas imagens utilizadas por outros perfis digitais e em avaliações escolares, por exemplo.
No vasto catálogo de registros que ele compartilha com o Wiki Aves - site brasileiro de observadores de pássaros que tem como objetivo apoiar, divulgar e promover a atividade - mais de 263 imagens autorais de Rocilio retratam a vastidão de 174 espécies de aves que habitam a Caatinga.
Mas, por trás de cada foto, reside uma história, uma conexão, uma intimidade com essas criaturas aladas que poucas pessoas pacientes podem assistir.
Fonte: WikiAves/Rocilio
Encontramos o "Urutau" - uma figura noturna, indistinta em sexo, mas carregada de mistério. Rocilio capturou durante o dia um momento em que esse ser cuidava de seu filhote, uma cena rara que ele aguardou pacientemente.

Fonte: WikiAves/Rocilio
Nos deparamos também com o "pica-pau-dourado-escuro", um pai que alimenta seu filhote. Rocilio descreve esse momento único, um privilégio capturado em uma manhã de domingo, como se tivesse aberto a própria essência da vida selvagem com suas lentes.

Fonte: WikiAves/Rocilio
Entre todas as aves que Rocilio já teve a honra de fotografar, uma se destaca em sua memória: o Pompeu, também conhecido como "Torum do Nordeste." Rocilio descreve esse passarinho como o mais emocionante e impressionante de fotografar.
O Pompeu é uma espécie rara, e o encontro com ele era aguardado e representou um triunfo da paciência e dedicação de Rocilio. O animal foi registrado na localidade Cansanção, berço do fotógrafo na zona rural de São Julião.

Rocilio, vestido com trajes militares de camuflagem na Caatinga, ouviu o canto e fotografou o pequeno Cambacica durante nossa entrevista.
Seu início na observação de aves começou na infância, quando já desenhava artisticamente. Esse interesse posteriormente o levou a explorar a natureza com sua câmera. Em 2012, adquiriu um equipamento com lentes intercambiáveis e, no ano seguinte, investiu em uma lente adequada para a fotografia de aves.
"Começou como um desafio. Dentro da natureza da Caatinga, os pássaros são símbolos de vida, e foi isso que me atraiu", lembra ele.
Rocilio também reflete sobre como a fotografia de aves é uma forma de redimir-se da "Cultura da baladeira" da sua infância, quando aves eram procuradas e mortas por estilingues e pedras, ou capturadas para viverem presas em gaiolas.
"Quando eu era criança aqui no Sertão, tinha a cultura da baladeira. E a partir desse momento que eu tive a conscientização e o desafio de fotografar aves da Caatinga é como se eu pudesse me redimir daquilo que foi introduzido na infância e o mal que eu fazia para as aves. Também é uma forma de conscientizar as crianças e a comunidade para a preservação das aves." disse Rocilio.
Assim como os pássaros enxergam o mundo, Rocilio enxerga a alma da Caatinga, registrando e revelando parte de sua beleza. Rocilio é um poeta das imagens, um artista que, como Manoel de Barros poetiza em Canções de Ver, pegou "um olhar de pássaro."
Em suas fotos, as palavras são livres, as cores dançam, e os sons não ditos se rendem à liberdade de expressão que só a natureza pode oferecer.
Com um gesto que revela seu coração generoso, ele instruiu o fotógrafo a como capturar melhor suas próprias fotos neste ensaio.
Ciência Cidadã e Educação Ambiental
Quando questionado sobre as principais dificuldades e desafios da prática, Rocilio fala sobre o desmatamento e suas consequências para as aves da região.
De acordo com um levantamento do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD Caatinga), parte do MapBiomas Alerta, o desmatamento continua avançando sobre a Caatinga, único bioma originalmente brasileiro e o mais vulnerável às mudanças climáticas.
Cerca de 115.894 hectares de vegetação foram desmatadas em 2021 contra 68.304 hectares em 2020 – um aumento de 70% em apenas um ano. Desse total, 80,7% foram desmatados em apenas quatro dos nove estados do bioma: Bahia, Ceará, Pernambuco e Piauí.
O desmatamento está relacionado à supressão da vegetação da caatinga para instalação de atividades agropecuárias, que atualmente ocupa 5,7 milhões de hectares do bioma.

O passarinheiro reconhece que o desmatamento pode levar algumas espécies a procurarem novos habitats, ameaçando a rica biodiversidade da região.
"O desmatamento faz com que algumas espécies procurem outros ambientes em outras regiões. E na região em que eu fotografo as vezes eu percebo que alguns pássaros podem procurar meios de proteção em outros locais." pontuou.
Ele também compartilha como sua paixão pela observação de aves se transformou em uma ferramenta de educação ambiental.
À medida que mostra suas fotos, as pessoas da comunidade se interessam e procuram informações sobre espécies de pássaros. Também convidam o fotógrafo para passarinhar em locais de observação de aves difíceis de serem avistadas e informam até mesmo sobre a localização de ninhos.
Assim, ele vê sua comunidade se conscientizando cada vez mais sobre a importância da preservação das aves.
"A gente vai mostrando as fotos e as pessoas da comunidade vão se interessando e por conta disso pessoas me procuram para buscar informações sobre espécies de pássaros, me chamam para fotografar em determinados locais, me informam onde tem ninhos, pássaros difíceis de observar. E com isso eu sinto que as pessoas começam a se interessar e se conscientizar pela preservação dos pássaros."

Em cada clique da câmera, em cada olhar de admiração, Rocilio Ribeiro Rocha nos lembra da beleza e da fragilidade do mundo alado que habita a Caatinga. Sua paixão, habilidade e compromisso com a conservação dessas aves são verdadeiramente inspiradores, e suas fotos contam histórias que transcendem as palavras, como um poema emoldurado na paisagem árida da Caatinga.
Em suas fotografias, ele nos lembra que a Caatinga é um tesouro de vida, onde os pássaros são símbolos de esperança e resiliência. É um lugar onde cada fotografia capturada é uma ode à existência, um bálsamo de vida e um tributo à natureza que persiste em meio às adversidades.








Pra sempre meu querido prof, tio Rocílio <3 talentoso e de uma sensibilidade imensurável