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Uma História de 61 Anos: O Festejo e a Devoção a São Francisco em Curral Novo do Piauí

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Por Ryan Morais A religiosidade e a identidade cultural do povo de Curral Novo do Piauí são tão indissociáveis que é impossível falar de um sem mencionar o outro. O festejo de São Francisco de Assis, que em 2025 completa 61 anos, não é apenas um evento no calendário, mas a própria alma de uma cidade que tem raízes profundas fincadas na fé e na tradição.    A história de Curral Novo começa muito antes de sua emancipação, no final dos anos 1950, mais especificamente em 1957, um pequeno povoado se formava em torno de uma cacimba permanente, a Cacimba Velha. Foi ali, naquele chão, cheio de riquezas, em especial do minério de ferro e até então não muito explorado, que a fé católica encontrou seu berço.  

A comunidade, formada por famílias de agricultores e criadores, se reunia nas casas para rezar o ofício, o terço e as novenas. As reuniões, embaladas por músicas de pífano e zabumba, não eram apenas atos de fé, mas a base da vida social. Ali, iniciava um grande movimento religioso e cultural no sertão do Piauí, que evoluiria muito mais do que se podia imaginar. 

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Fotos de Festejos passados. Arquivo Pessoal. A fundação do povoado de Curral Novo, ainda em 1957, não foi um mero acontecimento geográfico, mas um ato de fé. A comunidade, formada por agricultores e criadores que viviam da terra e se alimentavam dela, percebeu que a vida em comum exigia um espaço para a oração, um local que unisse o povo não apenas pelo trabalho, mas pela fé.  

A decisão de construir uma capela foi um passo crucial, e, com ela, veio a necessidade de um padroeiro. A escolha por São Francisco de Assis, sugerida por Zé Petrinho e Justina da Silva, foi recebida com entusiasmo, revelando uma profunda sintonia entre a comunidade e a figura do santo. A conexão não era casual. São Francisco, conhecido por sua humildade e seu amor incondicional pela natureza e por todas as criaturas de Deus, ressoava profundamente com a vida daquele pequeno povoado que dependia da agricultura e da criação de animais para sobreviver. A comunidade cresceu e a pequena capela já não comportava o número de fiéis. Com a ajuda da comunidade, do Padre Frank e até de partidos políticos da época, uma nova capela foi construída. Era um trabalho de união, onde a fé supera as divisões e a comunidade se mobiliza em torno de um objetivo comum. O festejo era o reflexo desse espírito, com leilões e atividades que arrecadavam fundos e, ao mesmo tempo, fortaleciam os laços sociais. 

Para compreender a essência do festejo, é fundamental ouvir aqueles que o viram nascer. Cinobilina do Nascimento, uma das pioneiras na organização, compartilha suas memórias com a clareza de quem guarda a história no coração: 

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Dona Cinobilina, em sua casa, diante de um altar religioso. Arquivo pessoal. 

"A primeira capelinha, a gente fez pedindo às pessoas, só que eram pouquinha gente, mas nós tentamos e fizemos a primeira capela. E com o festejo foi assim também. Quem conduzia era Maria Teuza, e tinha o livrinho do Festejo. Cantava os cantos e era bem animado, nunca paramos. A celebração era bem simples, e o festejo começou na frente da igreja, e a derradeira noite tinha muitos fogos, era cheio de alegria. [...]Graças a Deus, tem continuado. Muita gente se envolve. Os mais velhos não podem mais trabalhar – como eu –, mas temos o povo novo que vem enfrentando, trabalham, pedem patrocínio e tem muita coisa diferente. A fé aumentou. Naquele tempo, ninguém sabia ler, então era só nossa voz. São tantas memórias, pois eu era muito envolvida, fazia leilão, saía pedindo e por isso é muita emoção relembrar isso.” recorda Cinobilina. 

Ao longo dos 61 anos, o festejo se adaptou às transformações. De uma festa de cunho estritamente religioso e comunitário, ele se tornou um evento que atrai pessoas de toda a região, com uma programação diversificada e organizada. A paróquia, as pastorais e os movimentos religiosos ganharam força, estruturando a celebração e envolvendo a comunidade de forma mais ampla. 

O festejo, hoje, não se restringe à cidade, mas alcança as comunidades rurais e as cidades vizinhas. A programação de 2025, com o tema “São Francisco de Assis: sejamos propagadores do amor e anunciadores da esperança”, é um reflexo dessa evolução. O evento conta com missas, novenas, procissões e até o primeiro show católico da cidade com o Padre Ezequiel Dal Pozzo, demonstrando que a fé se expressa também através da arte e da música. 

A jovem Isadora Silva, de 12 anos, é um exemplo do envolvimento da nova geração, que não apenas participa, mas também compreende o significado mais profundo do festejo. 

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 A jovem Isadora, uma das entrevistadas da reportagem. Foto de arquivo pessoal.  "Eu participo do Festejo de São Francisco desde sempre, desde que eu me conheço por gente. Desde bem novinha meus pais me levam para essa festa e eles trouxeram isso como herança para a gente, para mim e para o meu irmão. Então, nós sempre estivemos presentes na vida da comunidade, além disso, exercemos alguns papéis dentro do Festejo e fazemos o que podemos. Eu comecei ajudando como coroinha e tenho muitas lembranças boas ajudando nesse festejo. Eu vejo como algo muito importante, pois isso alimenta a fé do povo, a nossa fé", destaca Isadora.  

A fala de Isadora mostra que, para os jovens, o festejo é um evento multifacetado: é fé, é herança, é comunidade, é lazer e é partilha. É a prova de que a tradição não está morrendo, mas se reinventando nas mãos e nos corações das novas gerações.  A importância da fé católica na formação dos jovens - Vatican News

O festejo de São Francisco de Assis em Curral Novo do Piauí é um dos pilares da identidade local. Sua história é a história de um povo que construiu sua comunidade com base na fé, no trabalho e na união. A devoção a São Francisco é a cola que une o passado e o presente, a tradição e a inovação. 

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Fotos de Festejos passados. Arquivo Pessoal. O futuro do festejo parece promissor. A dedicação da paróquia, dos padres que por lá passaram — como Pe. Antônio Mendes, Pe. Francidilson, Pe. Miguel, Pe. Francisco Berto, Pe. Ferdiran, Pe. Allef e o atual, Padre Fernando —  e o engajamento de leigos e jovens, como Isadora, asseguram que a celebração continuará a crescer e a fortalecer a fé e a cultura de Curral Novo. O festejo é a prova viva de que a religiosidade e a cultura popular são forças poderosas que, ao se entrelaçam, criam uma identidade sólida, resiliente e cheia de esperança.  No palco de Curral Novo do Piauí, a fé e a cultura se entrelaçam. O festejo de São Francisco de Assis não é apenas um ritual; é a expressão mais pura da identidade de um povo que construiu sua história com a força da oração e a união da comunidade. A capelinha, erguida com a voz do povo e a esperança de um futuro, tornou-se o coração pulsante da cidade, um símbolo de que a religiosidade não está contida em paredes, mas na alma de cada um.


 
 
 

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